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  • Decisão do STF estendeu a aplicação da Lei Maria da Penha a casais gays, mulheres trans e travestis


  • O tribunal estendeu, por unanimidade, proteção em situações de violência doméstica para relações homoafetivas entre homens gays, mulheres travestis e transexuais

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que as regras de proteção da Lei Maria da Penha devem ser aplicadas a casais homoafetivos formados por homens e a mulheres travestis e transexuais.

A decisão ocorreu no último dia 21 de fevereiro, foi reconhecido também que existe uma omissão do Congresso Nacional em legislar sobre o tema.

Lei Maria da Penha e os casos em que ela é aplicada

A Lei Maria da Penha aprovada em 2006, criou mecanismos de combate a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição e tratados internacionais.

A legislação define "violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial" ocorrida no âmbito doméstico e em meio à família.

Também envolve medidas de combate à violência doméstica, mecanismos de assistência às vítimas, regras para o atendimento das vítimas pela polícia, além das medidas protetivas de urgência, com o objetivo de afastar o agressor do convívio com a vítima.

Ação apresentada ao Supremo

Em 2023, chegou à Corte uma ação sobre o tema. A Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (ABRAFH) declarou ao tribunal que havia uma deficiência na proteção de outras relações afetivas e familiares contra situações de violência doméstica.

Segundo a ABRAFH, a Lei Maria da Penha, em sua interpretação original, concentra o combate à violência nas relações heteroafetivas. Dessa maneira, falta uma lei para proteção contra a violência doméstica no âmbito das relações homoafetivas, envolvendo e homens gays, bissexuais, trans, intersexo e não-cishétero em geral.

De acordo com a associação, configura uma omissão inconstitucional, já que a Constituição impõe ao Poder Público o dever de proteger todos os tipos de famílias e pessoas contra a violência doméstica (e não apenas mulheres ou famílias heteroafetivas).

A ABRAFH apontou dados de pesquisa do Conselho Nacional de Justiça que identificam casos de agressões em ambiente familiar envolvendo mulheRes lésbicas, trans e homens gays.

"No presente caso de controle abstrato da omissão inconstitucional, a necessidade de atuação da jurisdição constitucional encontra-se no fato desconhecido e/ou invisibilizado da efetiva existência da violência doméstica ou intrafamiliar entre casais do mesmo gênero, que já foi atestada por entidades especializadas", afirmou a associação.

O caso foi analisado pelo STF

O Supremo é o guardião da Constituição, cabe ao tribunal analisar questões que envolvem violação a direitos constitucionais. 

O debate envolve uma omissão por parte do Poder Legislativo dificultando o exercício de direitos fundamentais por parte destes segmentos da população.

Decisão do STF

O Supremo julgou o caso no plenário virtual, entre os dias 14 e 21 de fevereiro.

Os ministros concluíram, por unanimidade,  que havia uma omissão do Congresso Nacional em legislar sobre o tema e que, até que uma regra sobre a questão fosse editada, a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em casos de violência doméstica em relações homoafetivas.

Os ministros acompanharam o posicionamento do relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes.

O voto do relator

Moraes argumentou seu voto dizendo que, embora existam outras lei que punem agressões, a Lei Maria da Penha tem uma série de medidas protetivas de urgência que ajudam a resguardar as vítimas de violência doméstica.

"Em que pese a existência de outras normas que prevejam, de forma genérica, a responsabilização de agentes que comentam crimes de agressão ou outros ilícitos que atentem contra a vida e a integridade física de qualquer pessoa, a Lei Maria da Penha traz uma série de medidas protetivas que são reconhecidamente eficazes para resguardar a vida das vítimas de violência doméstica", declarou.

Moraes ressaltou também a importância da Lei Maria da Penha como um marco fundamental no combate à violência contra a mulher.

Declarou também que entendimentos de instâncias inferiores da Justiça têm reconhecido a aplicação da norma para casais homoafetivos em que a vítima de violência doméstica é a travesti ou a transexual. Mas que o mesmo não tem ocorrido no caso de homens gays.

"Quanto ao alcance da Lei Maria da Penha, conforme se depreende dos julgados acima, entendo que, independentemente da orientação sexual da mulher, a proteção especial da lei vale tanto para as mulheres vítimas de violência doméstica quanto para lésbicas, travestis e transexuais com identidade social feminina que mantêm relação de afeto em ambiente familiar, ou seja, a expressão “mulher” contida na lei vale tanto para o sexo feminino quanto para o gênero feminino, já que a conformação física externa é apenas uma mas não a única das características definidoras do gênero", escreveu.

O ministro citou entendimentos de outros tribunais, Moraes disse ainda que é possível a aplicação da Lei Maria da Penha a relações entre pessoas do sexo biológico masculino, quando o papel de gênero atribuído a elas dentro da relação coincida com o socialmente atribuído e cobrado das mulheres.

“Considerando que a Lei Maria da Penha foi editada para proteger a mulher contra violência doméstica, a partir da compreensão de subordinação cultural da mulher na sociedade, é possível estender a incidência da norma aos casais homoafetivos do sexo masculino, se estiverem presentes fatores contextuais que insiram o homem vítima da violência na posição de subalternidade dentro da relação”, pontuou.

Decisão do Supremo em relação ao Congresso

A Corte compreende que existe uma "mora legislativa" do Congresso Nacional em relação ao assunto. O Poder Legislativo foi omisso em regular o tema, o que afeta direitos fundamentais.

Dessa forma, a Corte decidiu que, até que venha uma lei sobre o tema, incide a proteção da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos do sexo masculino e às mulheres travestis ou transexuais nas relações intrafamiliares.

O tribunal não estabeleceu prazo para que o Parlamento legisle sobre o tema.

Cabe recurso sobre a decisão?

Sim. É possível recorrer dentro do próprio STF com pedidos para esclarecimentos de pontos da decisão.