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O dólar é considerado uma arma dos EUA por alguns países
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As discussões sobre alternativas à moeda americana tem se espalhado por todo o mundo. Mas quais são os motivos para mais diversidade monetária?
- Por Camilla Ribeiro
- 13/10/2023 15h42 - Atualizado há 1 ano
Brasil e China completaram, no último fim de semana, a primeira operação comercial que foi realizada apenas com as moedas locais dos dois países, yuan e real.
Essa transação que envolveu uma empresa de celulose brasileira foi realizada após a assinatura de um memorando de entendimento entre Brasília e Pequim.
O presidente brasileiro pede que o Sul Global fique menos dependente do dólar. Do yuan chinês à bitcoin, as discussões sobre alternativas à moeda tem se estendido por mais de um ano.
Acreditando que os Estados Unidos possam estar usando o dólar como uma arma em um sistema financeiro global dominado pela moeda, o debate acabou sendo um dos principais temas avaliados pelos integrantes dos Brics durante a 15ª cúpula do bloco em agosto.
Durante encontro, as lideranças de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul discutiram a criação de uma moeda comum para facilitar as transações entre os membros do grupo .
A decisão de criação dessa moeda ainda não foi implementada oficialmente, segundo Lula a área econômica de cada país fará estudos para que propostas sejam apresentadas na próxima reunião da cúpula, em 2024.
"Quem decidiu que era o dólar a moeda depois que desapareceu o ouro como padrão? Por que não foi iene? Por que não foi o real? Por que não foi peso? Porque as nossas moedas eram fracas, porque hoje um país precisa correr atrás do dólar para poder exportar, quando ele poderia exportar sua própria moeda e os bancos centrais certamente poderiam cuidar disso", disse o presidente brasileiro em sua passagem por Pequim.
Em debate existe constantes acusações por parte de adversários políticos e econômicos dos EUA, como Rússia e China, e até de analistas e especialistas do mercado financeiro, de que Washington tem se aproveitado da dominância do dólar para agir em seu próprio benefício em questões geopolíticas.
A guerra que ocorre na Ucrânia tornou as denúncias mais intensas. As sanções implementadas contra a Rússia pelos EUA e seus aliados se beneficiaram da onipresença do dólar americano para penalizar Moscou.
O país teve suas reservas internacionais congeladas e, logo no início do conflito, os EUA impediram o Banco Central da Rússia de realizar transações em dólar, além de terem bloqueado totalmente o fundo de investimento direto russo.
“Em outras palavras, o sistema baseado no dólar simplesmente não está mais disponível para os indivíduos, empresas ou regime sancionado”, explica Zongyuan Zoe Liu, pesquisadora do think tank americano Council on Foreign Relations (CFR).
"Isso vai desde o nível mais básico, com a proibição de acesso a uma conta bancária ou um cartão de crédito, até o que chamamos de sanções secundárias, quando nenhuma outra entidade pode facilitar transações para essa entidade ou regime sancionado de forma legal, sob risco de ser penalizada também."
Segundo Liu, o debate sobre o uso de moedas alternativas é motivado em parte pelo desejo de mitigar os riscos e perdas em caso de sanções americanas.
Isso é verdade principalmente para países que já tenham sido penalizados no passado ou que correm o risco de enfrentarem sanções no futuro.
A lista de sanções que foram aplicadas pelos EUA nos últimos anos não é curta. Essa lista o inclui governos estrangeiros identificados por Washington como apoiadores do terrorismo, responsáveis pela proliferação de armas nucleares.
Inclui também acusados de violações de direitos humanos e corrupção, como Irã, Cuba, Coreia do Norte, Síria, Belarus, Burundi, República Centro-Africana, Congo, Líbia, Nicarágua, Somália, Sudão do Sul, Venezuela, Iêmen e Zimbábue.
Outros alvos foram entidades ou indivíduos que não cumpriram normas do Conselho de Segurança da ONU e indivíduos e organizações ligadas a Vladimir Putin, entre eles Andrey Menichenko, o homem mais rico da Rússia.
Por isso, o dólar tem sido considerado uma arma constantemente em encontros entre autoridades russas e chinesas.
A China também promove tratados bilaterais com diversos países para que as trocas comerciais sejam realizadas em yuan e na moeda nacional do país, o renmimbi.
Renmimbi é a moeda oficial da China. Enquanto ela é utilizada como valor de troca em compra e venda de mercadorias, o yuan serve como um numerário aplicado para se tornar o valor de base no mercado e, assim, monitorar preços.
Na a cúpula dos Brics em agosto, Putin disse em um discurso que as sanções financeiras e o congelamento de ativos pelo Ocidente equivalem a "pisar em todas as normas e regras básicas do livre comércio".
No mês de junho, Andrei Kostin, CEO do VTB, o segundo maior banco da Rússia, controlado pelo Estado, também fez duras críticas à dominância do dólar em entrevista à agência Reuters.
"A longa era histórica do domínio do dólar americano está chegando ao fim", disse o ex-diplomata, que afirmou ainda acreditar que os EUA estão delineando um conflito "pior que o da Guerra Fria".
Alguns países acusam Washington de usar as sanções — e o dólar — como moeda de barganha em prol de seus interesses.
Em setembro, o governo de Joe Biden autorizou bancos a burlarem as sanções contra o Irã e transferirem a soma de US$ 6 bilhões, bloqueados na Coreia do Sul, numa troca pela liberação de cinco americanos detidos no país do Oriente Médio.
Dezenas de bilhões de dólares do Irã, que vieram do petróleo e de outras exportações, foram congelados em contas bancárias em todo o mundo desde 2018, quando o presidente da época, Donald Trump abandonou um acordo nuclear internacional com Teerã e restabeleceu as sanções americanas.
Potências com proeminência como Índia e Emirados Árabes Unidos (EAU) começaram oficialmente a negociar entre si em suas moedas locais.
Aliados de longa data, como a França, realizaram transações em outras moedas desde que os EUA aumentaram as suas sanções. Em abril, o presidente francês Emmanuel Macron disse que a Europa deve reduzir a sua dependência do dólar americano, a fim de manter a sua "autonomia estratégica" e evitar tornar-se "vassalo" (subordinado) de Washington.