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  • A reforma tributária deverá impulsionar a economia mesmo se o IVA for recorde


  • A alíquota do novo imposto poderá chegar a 28%, de acordo com projeções; porém, a simplificação do sistema deve estimular crescimento da economia

O Congresso Nacional avançou em mais uma etapa para a aprovação da reforma tributária, conjunto de mudanças que busca simplificar a arrecadação de impostos no país.

A proposta da reforma é unificar tributos que hoje são cobrados sobre a produção e a comercialização de produtos e serviços.

A expectativa é que a reforma seja aprovada novamente na Câmara nas próximas semanas, o que permitiria que entre em vigor ainda este ano.

De acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira, a proposta poderá ser colocada em votação "a qualquer momento" após o feriado de 15 de novembro.

A futura alíquota desse novo imposto virou alvo de polêmica. Alguns críticos da reforma alegam que o IVA brasileiro irá elevar a carga tributária e citam projeções de economistas indicando que a alíquota pode chegar a 28%, a maior do mundo.

"É inaceitável uma reforma tributária que nos impõe o maior IVA do mundo, ameaça investimentos, competitividade, e pressiona custos que recairão sobre todos nós!", rebateu  o senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro de Desenvolvimento Regional do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Apesar de ainda não ser possível cravar qual será a alíquota do IVA brasileiro, defensores da reforma reconhecem que será alta para padrões internacionais. 

Porém, ressaltam que isso reflete o fato de o Brasil ter uma grande parte da sua arrecadação sobre produção e consumo, diferentemente de outros países com IVA menor que arrecadam mais sobre renda e propriedade.

A ideia é que o novo IVA arrecade exatamente o que hoje os cinco impostos (IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS) rendem às três esferas do poder público, sem elevar a carga tributária atual.

O objetivo da proposta é manter a mesma arrecadação é não desfalcar o caixa dos governos, dinheiro que é usado para bancar serviços públicos, como escolas, hospitais e o funcionamento das polícias.

Os entusiastas da reforma dizem também que a reorganização e a simplificação do sistema terão o efeito de impulsionar o crescimento e ampliar o poder de compra da população.

"A reforma vai ser neutra em termos de não diminuir a arrecadação e não aumentar a carga tributária. Então, sendo neutra, isso quer dizer que os novos tributos (IBS e CBS) tem que arrecadar exatamente a mesma coisa que arrecadam hoje", disse a especialista em questões tributárias Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canadá.

"Como a futura alíquota será correspondente a carga tributária de hoje, então o Brasil já tem esse maior IVA do mundo. Só que o novo sistema trará muito mais transparência", defende.

Melina explica também que a alíquota base do IVA ficará mais alta no Brasil devido aos descontos que estão sendo dados na reforma a alguns setores.

Os serviços de saúde e educação, por exemplo, pagarão um IVA equivalente a 40% da alíquota cheia. Já a cesta básica terá alguns itens com isenção total (não pagarão IVA) e alguns itens com alíquota reduzida (40% da alíquota cheia).

Qual será o IVA brasileiro? E como é no mundo?

De acordo com projeções preliminares do Ministério da Fazenda, esse novo imposto brasileiro poderá ficar entre 25,45% e 27%.

Uma projeção realizada pelo pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) João Maria Oliveira, calculou que o IVA brasileiro poderia chegar a 28,4%.

O maior IVA do mundo é o da Hungria (27%). Os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm alíquota média de 19,2%.

Dos 38 integrantes da organização, formada principalmente por países ricos, apenas os Estados Unidos não adotam o IVA.

Segundo Melina Rocha, não faz sentido comparar o IVA de diferentes países sem levar em conta o sistema tributário de cada um deles como um todo.

"Não dá para comparar a alíquota nominal padrão de um país com outro, justamente porque esses outros países, que têm uma alíquota menor do IVA, têm uma alíquota muito maior sobre renda", explica.

Como IVA pode impulsionar economia?

Diferentes economistas têm apontado um forte potencial de crescimento da economia a partir de ganhos de produtividade resultante da simplificação tributária trazida pelo IVA.

Uma projeção realizada em 2020 por Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), estimou que a adoção do IVA poderia elevar o PIB potencial brasileiro em 20% em 15 anos

As simulações realizadas pelos economistas Edson Domingues e Débora Freire Cardoso, professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), projetaram um ganho um pouco menor, de 12% no mesmo período.

"(O Brasil tem um) sistema bastante distorcido e complexo", disse o economista Manoel Pires, também pesquisador da FGV, em um artigo recente sobre a reforma tributária.

"Existem impostos que se diferenciam por produto, várias alíquotas por região, legislações que se multiplicam, obrigações acessórias e elevado custo de conformidade que aumentam custos e conduzem a decisões econômicas ineficientes", continuou, ao abordar os efeitos negativos do sistema atual.

Nesse trabalho, Pires aponta estudos que mostra impactos positivos da adoção do IVA em países como Canadá e China, como aumento de investimentos, vendas, geração de empregos e produtividade.

De acordo com Pires, esses efeitos positivos têm relação com a simplicidade do sistema e com o fato do IVA gerar créditos tributários ao longo da cadeia de produção, evitando o acúmulo de taxação.

O pesquisador também aponta outro efeito positivo, é o IVA incidir sobre o consumo final.

"(A adoção do IVA) Desloca a tributação da produção para o consumo, desonerando investimentos e exportações, aumentando a competitividade da economia", explica Pires.

Estudos mostram também que a reforma tributária deve aumentar o poder de consumo da população, em especial dos mais pobres. 

Porque a proposta em tramitação no Congresso estabelece a criação de um sistema de cashback (devolução de impostos) para os brasileiros e menor renda, algo que já é adotado em outros países que usam o IVA, como Uruguai, Colômbia e Canadá.

Melina Rocha destaca, porém, que os ganhos esperados com a implementação da reforma tributária levarão tempo.

"Há estudos que estimam aumento do crescimento econômico e da renda da população, mas isso não vai ocorrer de imediato porque o novo sistema só vai ser implementado completamente em 2033 por conta do período de transição", ressalta.